24.1.06

Cit(y)Ações 1

"Tu me deste tua lama e Eu a transformei em ouro."(Baudelaire)

"Hoje a tecnologia permite fundir o processo de composição com o de gravação."(Mick Jagger)

Toda a pessoa é feliz; do contrário, a culpa é dela mesma.
Vossa infelicidade é o barômetro dos crimes que haveis cometido por ignorância – por ignorância de vosso “eu”, da vida, do mundo e, sobremodo, daquilo que suscita, destrói e reproduz a estes últimos desde sempre e para sempre: a Ordem do Universo infinito. Infelicidade é o cenário que se proporcionaram os que, dentro de sua ignorância da Ordem do Universo, deificaram-se, mostraram-se egocêntricos, exclusivistas e arrogantes, como astrônomos pré-copernicanos. (George Ohsawa )

17.1.06

Bob Marley - 60 anos

Fonte: http://www.encontromusical.com.br/cultura/bob_marley/bob_marley.htm

Se vivo estivesse, Robert Nesta Marley completaria 60 anos em 2005. Um câncer generalizado – surgido de uma mal curada ferida no pé, causada por um pisão de um jornalista francês durante uma pelada de futebol na Europa – não deixou que o rei do reggae prosseguisse em sua carreira de um dos músicos mais influentes da segunda metade do século 20, e Marley viria a morrer em 11 de maio de 1981, num hospital em Miami, após tentativa frustrada de cura na Alemanha com o médico Jossef Issels.

Nascido a 6 de fevereiro de 1945 na vila de Nile Miles, na paróquia de St. Ann (norte da Jamaica), filho da nativa Cedella Malcolm Booker e do oficial britânico Norval Sinclair Marley, esse aquariano deixou um legado musical inestimável. Foi criado pelos avós e aos seis anos de idade "recebeu" o dom da clarividência: por alguns trocados, lia mãos nas feiras da vizinhança. Nessa época ele aprendeu sua primeira canção, um lamento de feirantes para as mulheres que enrolavam muito na hora de comprar frutas e legumes que iriam levar para casa.

Ainda adolescente, mudou-se para Trenchtown, favela de lata nos arredores de Kingston. Ali, entre guitarras imaginárias e com um pé na bandidagem, montou os Wailing Wailers (depois apenas Wailers). Eram Bob, seu meio-irmão Bunny Livingstone, Beverly Kelso, Junior Braithwaite e Peter Tosh. Os Wailers tiveram a mesma trajetória de vários outros grupos vocais da época: gravaram singles com Leslie Kong, passaram um tempo sob as bênçãos de Coxsone Dodd no Studio One (nessa fase lançaram uma versão magistral de "And I Love Her", dos Beatles), sem obter o devido reconhecimento.

Bob Marley foi, então, morar com a mãe nos EUA (em Wilmington, Delaware), onde trabalhou como operário. Antes de embarcar, porém, casou-se com Rita Anderson, vocalista dos Soulettes. O exílio americano durou sete meses.

De volta à Jamaica, Bob encontrou os amigos enfronhados na filosofia RASTAFARI, que pregava a volta dos negros para a África e ensinava que o imperador etíope Hailé Selassié era a encarnação de Jesus Cristo. Os Wailers também tinham outra proposta sonora. Ao trabalhar com o produtor Lee Perry, descobriram o poder hipnótico do baixo e da bateria na figura dos irmãos Aston "Family Man" e Carlton Barret, De trio vocal que fazia ska e rock steady, os Wailers viraram um autêntico grupo de reggae. A formação da época era: Bob Marley (guitarra, vocais), Peter Tosh (guitarra e vocais) e Bunny Wailer (percussão e vocais). O grupo então surrupiou a seção rítmica de Perry, e acrescido do tecladista Earl "Wire" Lindo, foi fazer história.

Assinou contrato com o selo Island, de Chris Blackwell, e lançou Catch A Fire, marco na história da música jamaicana. O ano de 1973 men tinha acabado quando essa turma mandou Burnin' para as lojas. À essa altura, o grupo havia sido rebatizado de BOB MARLEY & THE WAILERS. Ao ouvir Burnin', Eric Clapton se encantou com "I Shot The Sheriff" e decidiu regravar a canção. A música foi direto para o primeiro lugar na parada americana. Peter Tosh e Bunny Wailer saíram antes das gravações de Natty Dread (1974). Marley então reformou a banda com as I-Threes, os guitarristas Earl "Chinna" Smith e Al Anderson, o percussionista Alvin "Seeco" Patterson e o tecladista Bernard "Touter" Harvey. Essa formação invadiu e conquistou o Rainbow Theatre, em Londres. O resultado repousou belo e lampeiro no álbum Live !, gravado no Lyceum Theatre.

Bob Marley passou a ser o primeiro (e até hoje único) superstar originário do Terceiro Mundo. Ganhou uma mansão na zona nobre de Kingston e capas das principais revistas do planeta. Em 1976, porém, sofreu um atentado em sua própria casa: pistoleiros de aluguel atingiram o cantor, o empresário Don Taylor e Rita Marley. Bob se mandou para a Inglaterra a tempo de abençoar o então nascente movimento punk. Lá, homenageou bandas como Sex Pistols e The Clash na canção "Punk Reggae Party". A banda que o acompanhava neste single, aliás, era composta por alguns dos seus alunos mais aplicados: Stephen "Cat" Coore (guitarrista, do Third World), Michael "Ibo" Cooper (tecladista, também do Third World) e Drummie Zeb (bateria, do Asward). Foi nesssa época que o guitarrista Junior Marvin entrou para os Wailers. Marvin tinha participado de alguns discos de Stevie Winwood pela Island e encheu os olhos de Chris Blackwell. Hoje é o guitarrista quem está à frente dos Wailers tocando o projeto de Marley. Também amealhou uma fortuna que não pára de crescer – levantamentos periódicos da revista norte-americana Forbes o apontam como uma das dez celebridades mortas que mais ganham dinheiro anualmente.

Mas Bob Marley não foi um superstar típico. Adepto do rastafarianismo – doutrina surgida na Jamaica de cunho fortemente anarquista que, em linhas gerais, propõe a queda do sistema capitalista, a adoção de uma vida sem produtos industrializados e o retorno dos afro-descendentes para a África –, jamais se curvou às imposições do star system em seus tempos de glória (os anos 1970). Compôs hinos revolucionários como Zimbabwe, entoado pelos guerrilheiros na luta pela independência da Rodésia. Também cantou odes à maconha, a erva sagrada dos rastas (Kaya é a mais famosa), e pregou a aceitação do então imperador etíope, Hailê Selassiê, como legítimo messias do povo negro (a emocionada Jah live foi composta em 1976, logo após a morte de Selassiê , cujo nome de batismo era Ras Tafari Makonem).

A ligação de Marley com a África chegou ao ponto de levá-lo a se filiar à Igreja Ortodoxa da Etiópia, de confissão copta, após se desvincular da fraternidade rasta jamaicana Doze Tribos de Israel. O corpo de Marley foi sepultado numa colina em sua Nine Miles em 21 de maio de 1981, após receber homenagens de chefe de Estado na capital jamaicana, Kingston. Com ele, sua guitarra Gibson Les Paul vermelha (a preferida), sua Bíblia, um pote de maconha e o anel de Salomão, dado a ele por Asfa Wossen, filho do imperador etíope, que reivindicava para si a descendência da histórica rainha de Sabá.

A tão sonhada volta para a África se relizou em 1978, Bob tocou na festa de independência do Zimbábue, que havia recém se libertado do jugo inglês. Um episódio da época da a exata dimensão dos valores do cantor. O príncipe Charles representou a realeza britânica na cerimônica. Ao saber que Bob estava num avião ao lado do seu, mandou um representante para conversar com o rei do reggae. "O príncipe da Inglaterra faz muita questão de conhece-lo pessoalmente e pede para que o senhor vá até o avião dele." A resposta veio de bate-pronto. "Eu sou Bob Marley. Se quiser me conhecer, Ele que venha até o meu avião". A África que Bob viu não o satisfez plenamente. Foi nessa época que ele se conscientizou de que Hailé Selassié era um ditador e que as nações africanas ainda sofriam com milenares guerras tribais.

Dessa experiência nasceu Survival (1979), o álbum mais político do rei. Bob pede a união de todos os africanos ("Africa Unite"), reclama dos problemas do mundo ("So Much Trouble In The World"), homenageia o Zimbábue ("Zimbabwe") e apela para a mobilização do homem africano ("Wake Up And Live"). O atentado sofrido em 1976 - e que era um tabu na vida do cantor - é exorcizado em "Ambush".

Uprising (1980) foi gravado muito às pressas porque Bob não tinha muito tempo. Nele está um dos grandes clássicos do rei do reggae: a lindíssima, arrepiante "Redemption Song". "Bad Card" é um recado malcriado ao ex-empresário Don Taylor e "Could You Be Loved" é considerada por muitos como uma precursora do dancehall.

Foi no Velho Mundo que ele sofreu o controverso acidente que lhe custou a vida. Acredite, se quiser: Bob feriu o dedão do pé enquanto jogava futebol (o que mais gostava de fazer depois da música). O machucado infeccionou e o médico sugeriu que o cantor amputasse o dedo - proposta recusada com base nas crenças rasta. A infecção jamais sarou e, segundo alguns médicos, acabou gerando um tumor que depois originaria câncer cerebral, descoberto três anos depois. Marley ainda tentou se curar através quimioterapia, mas não obteve sucesso.

Um mês antes de sua morte, Bob foi condecorado com a Ordem do Mérito da Jamaica, a terceira mais elevada comenda da nação, em reconhecimento pela sua extraordinária contribuição à cultura do país, depois de ter espalhado pelo planeta inteiro a música jamaicana, o orgulho negro e os valores humanitários de sua poesia.

Na quinta-feira, 21 de maio de 1981, o Honorável Robert Nesta Marley O.M. teve um funeral oficial do povo da Jamaica. Em seguida ao funeral - que contou com a presença tanto do Primeiro Ministro quanto do lider da oposição - o corpo de Bob foi levado para seu lugar de nascimento, onde hoje repousa em um mausoléu. Bob Marley tinha 36 anos.

15.1.06

Ras Tafari e a Profecia Etíope

Fonte: http://www.delfareggae.com.br/ras.htm

Ras Tafari é um movimento pan-africano , que se originou no despertar de uma revelação profética feita pôr Marcus Garvey na Jamaica. Desde sua inserção na década de 30, o movimento cresceu de uma pequena localidade, em West Kingston à um movimento internacional de repatriação negra.

Através das primeiras três décadas de seu desenvolvimento, o movimento foi banido da sociedade jamaicana. Periódicas confrontações com autoridades coloniais britânicas marcaram os Rastas em suas intenções revolucionarias, tanto cultural quanto espiritualmente. A metade de década de 60 trouxe um período de transição no entendimento social em relação ao Rasta e a sua forma de se viver

Depois da publicação em 1960 da “Reportagem sobre o Movimento Ras Tafari I em Kingston (capital da Jamaica)” veiculada pela Universidade local, subsequentes eventos e um clima de positivismo tornaram-se publicamente notórios. Essa mudança na percepção publica serviu para legitimar a visão ampla do significado da Vida que os Rastas tanto propunham, como uma responsabilidade cultural ao legado da escravidão e do colonialismo na Jamaica.

Durante esse período de transição na década de 60, um grande numero de descontentes e jovens da classe media juntaram-se aos miseráveis que moravam nas favelas, e dali formaram o esteio do movimento Ras Tafari I.

Esse crescimento acelerado foi acompanhado pela popularização da doutrina Rasta através da comunicação de massa e também artisticamente . os ritimos de musica Ska, rocksteady e o reggae disseminaram nas décadas de 60 e 70 os valores e os sentimentos dos Dreadlocks (um dos termos empregados para identificas um Rastas) , como um apelo alternativo depois das épocas de pos-colonialismo.

OS ISRAELITAS

Como um a cultura/ filosofia, Ras Tafari I é uma forma de Zionismo Negro que segue a leitura da Bíblia (na versão etíope Kebra Negasta- “Gloria dos Reis”, diferente da versão européia King James ) como credo milenar da redenção africana. Identificam-se a si próprios como os Israelitas do Velho Testamento , Provendo uma seqüência de interpretações mítico-poéticas da História da Diaspora Negra. Capturados e vendidos dentro da escravidão pelos europeus , os Rastas vêem os africanos e seus descendentes no oeste como vivendo na moderna Babilônia, a sociedade branca e opressora que significou mais de 400 anos de perseguição e colonialismo.

A emancipação oficiosa para a escravidão nas plantações de açúcar na Jamaica veio em 1834, mas a independência politica jamaicana da Grã-Bretanha foi assegurada somente em 1962, depois de 97 anos como colônia. Cerca de 95% da população da Jamaica é de descendência africana, o que determinou uma consciência dentro do movimento Ras Tafari I em considerarem-se “estrangeiros numa terra estranha”, referindo-se a própria Jamaica.

A TERRA PROMETIDA

No idioma de redenção dos Rastas , a única salvação para o negro do Oeste é se repatriar a seu lar ancestral : Etiópia – África . Enquanto opiniões dentro do movimento divergem como precisamente a repatriação ocorrerá e sua natureza , espiritual ou física , Ras Tafari I reconhece que isso será iminente e sinalizará a total inversão da estrutura de poder vigente no mundo.

Ao contrario de outras formações culturais pan-africanas ; pôr exemplo, Santeira em Cuba, Vudu no Haiti, Candomblé no Brasil e Xangô em Trinidade, Ras Tafari I é um fenômeno do seculo XX sem antecedente cultural no Oeste ou herança da cultura central – africana.

Os rituais Rastas mantêm uma continuidade na identidade africana e nas tradições associadas como pôr exemplo rituais de dança e tambores, praticas de cura e crença no poder mágico das palavras – “word, sound & Power” (“Palavra , Som & Poder).

Imagens da realeza Etíope, eventos e personagens do Velho Testamento, uma forma ritualística de se falar e o uso de longos cabelos, chamados de Dread Locks têm sido adotados e transformados nos símbolos e na tradição dos Rastas . No contexto da Diaspora, essa tradição é melhor entendida como uma resposta a ideologia da raça dominante.

Essa etnia se refere à auto – conscientização da cultura com o intuito de disseminar uma nova mensagem, juntamente com sua simbologia e religiosidade. O Etiopianismo anunciou uma nova fase dos rituais jamaicanos , onde os Rastas identificaram-se como “crianças”, tanto no sentido espiritual como genealógico, como que mantendo o parentesco com os antigos Israelitas , que seguiram Moisés através do Mar Vermelho séculos atrás.

As crônicas bíblicas do “Exílio” e do “Retorno a Terra Prometida” serviram como documento mítico para a prisão dos escravos no Novo Mundo , e de seu anseio pôr redenção fora da escravidão. O uso de velhos materiais para a criação de uma nova estrutura profética fez com que surgisse a imagem da Etiópia- Israel como sendo uma nação negra. Faz parte da tradição Rasta , pôr Exemplo , cantar e agradecer o “Sagrado Monte Sião”(HOLY MOUNT ZION) que é reconhecido pela fé como sendo o lar de Jah Ras Tafari I . Esse processo serviu para cristalizar a soberania e a legitimidade africana numa aparência político- religiosa única.

“OLHEM PRA AFRICA”

Através de referencias bíblicas à Etiópia, por exemplo no salmo 68:31, “Etiópia logo estenderá Suas mãos a Deus”, e nos Atos dos Apóstolos 8:27,”pessoas de descendência africana aprendam a reconhecer seu país perdido e a herança nas referencia a Etiópia e etíopes”. Assim, os Rastas começaram a tratar com carinho todas as referências etíopes na bíblia, pois ali havia a promessa libertadora , e que , quando contrastava com a indignidade da escravidão nas plantações, mostravam o negro numa luz humana e digna.

É na base do clássico Etiopianismo que Associação do Progresso Universal do Negro e o movimento “Volta - a- África” liderada pôr Marcus Garvey é bem conhecida. A filosofia do nacionalismo racial, proposta pôr Garvey, era um conceito étnico, casando o Etiopianismo e a consciência racial derivada do nacionalismo pan-africano. “Através da consciência racial, membros de uma raça se presente e aspirando pelo futuro”.

Um grupo racialmente consciente é mais que uma mera agregação de indivíduos distintos zoologicamente de outros grupos étnicos. É uma luta social unida com direção à realização pessoal e do grupo com o intuito de alcançar uma qualidade de vida que lhe é própria. Portanto , é um grupo conflitante e a consciência racial é por si um resultado do conflito. “A raça de um grupo embora não significante intrinsicamente, se torna um símbolo de identidade que serve para intensificar o senso se solidariedade”.

Para Garvey ser negro significava ser africano, “em casa ou no estrangeiro”, e a identidade racial estipulava direitos nacionais. Sob o título “África para os Africanos” , Garvey relançou a tradição etíope dentro de um programa politico para a libertação dos negros. A visão de Garvey da ‘redenção africana’ foi e permanece radical no sentido que, pela primeira vez na historia, o povo negro era reconhecido universalmente como Africanos no contexto de um movimento de massa com popularidade internacional.

O que é único aos Rastas da Jamaica , na tradição emancipadora africana é sua direta identificação com o Estado Teocrático da Etiópia, sob a regência “eterna” do Imperador Haile Selassie I , intitulado Jah Ras Tafari I. Modelando-se como a reincarnação dos antigos Israelitas, os Rastas usam o passado bíblico da teocracia judaica para formar sua etnia como uma família , uma nação .

A frase profética mais notável atribuída a Marcus Massiah Garvey afirma, “Olhem para a África! Quando um Rei for coroado, o dia da redenção estará nas mãos”. A coroação em 2 de novembro de 1930 do imperador Haile Selassie I da Etiópia, formalmente intitulado Ras Tafari I foi interpretada como a confirmação da profecia.

Ras significa “cabeça , príncipe” em aramaico e Tafari ,”Sem medo”.

Foi traduzido tambem pelos pioneiros do movimento Rasta a significar “Criador”. Haile Selassie I , 225’descendente do Rei Salomão e da Rainha de Sheba, recebeu os títulos sagrados escritos na bíblia que foram reservados para o advento da Segunda vinda: Rei dos reis, Senhor dos senhores e Leão conquistador da Tribo de Judá.

O PODER DA TRINDADE

Na fé dos Rastas, Haile Selassie é reverenciado como Jah Ras Tafari I, o Messias , o Cristo Negro que ascendeu ao Trono do Rei Davi em Adis Ababa, oficializando a promessa de uma nova ordem espiritual. Como defensor do Trono contra o ataque fascista de Mussolini em 1935, como um dos chefes- arquitetos do nacionalismo pan-africano atraves da fundação da OAU em Adis Ababa em 1963 e , mais tarde como monarca – embaixador do Estado independente mais velho da Africa, a Etiópia , o Imperador Selassie conseguiu o respeito de inumeraveis negros e foi reconhecido como o defensor de união e liberdade africana.

Haile Selassie é um nome sagrado , que traduzido significa “Poder da Trindade”. Em todas as antigas religiões encontra-se a mesma analogia à Primeira Lei de Deus , ação – reação – equilíbrio. No cristianismo essa mesma fórmula é reconhecida no Pai- Filho – Espirito santo; no hinduismo, vishnu- krishna- brahma . Porem , o que autenticava a força verdadeira do Ras Tafari era a personificação da Primeira Lei em uma só pessoa, Haile Selassie I.

O COMEÇO em KINGSTON

Antes mesmo da explosão da guerra Ítalo- Etíope em 1935, uma fotografia de Haile Selassie I , em veste de guerreiro em Amhara, circulou pelas favelas de Kingston juntamente com um artigo do Jornal Times no dia 7 de dezembro. De acordo com a reportagem, originalmente atribuída a um agente da propaganda fascista italiana, o Imperador Selassie era o mentor da Ordem Nyahbinghi. Essa ordem era internacionalmente reconhecida como uma sociedade africana secreta dedicada a derrubar a dominação branca e colonial. O nome Nyahbinghi significava “morte aos europeus”.

Na Jamaica , os primeiros aderentes da fé Ras Tafari I tornaram esse artigo quase como a um chamado e procuraram alinhar-se espiritualmente ao Imperador Selassie, participando efetivamente da Ordem Nyahbinghi. A palavra Nyahbinghi foi rapidamente adaptada ao vocabulário Rasta como protesto racial, e tornou-se a significar ‘morte aos opressores negros e brancos’.

Muitas comunidades Rastas começaram a identificaram-se como Nyahs, e na sordidez de West Kingston, uma militância do novo movimento começou a se desenvolver. Em 1960, a Universidade de West Indies patrocinou uma reportagem sobre o movimento Ras Tafari I e sua relação com a sociedade jamaicana em geral. Tal reportagem foi o resultado de um pedido pôr parte da comunidade Rasta que queixava-se da perseguição policial e da desinformação pública. Até então Jamaica, ao contrário do que muitas pessoas pensam, a maioria era (e ainda é) cristã, enquanto que os Rastas eram vistos sem qualquer status social, até porque a sua maioria vivia em condições paupérrimas.

A CULTURA NYAHBINGHI

Na reportagem, Nyahbinghi foi associado a valores violentos e com elementos revolucionários. Os Nyah eram publicamente identificados por seus longos cabelos, os Dreadlocks, e pelo uso sagrado , mas desafiador e anti-social da maconha (ganja). Os Nyahbinghis dentro do movimento Ras Tafari I atual é um longo termo que em adição a seu significada original tambem cobre outros importantes aspectos da vida cultural, incluindo:

A Ordem Nyahbinghi , uma seção dentro do movimento Ras Tafari I em geral, também reconhece o Governo Teocrático de Haile Selassie I. Os membros da primeira geração Nyah fazem parte da formação do movimento Rasta.

Os rituais de culto e adoração são patrocinados por membros da comunidade . As cerimônias Nyahbinghis são festejadas regularmente em varias datas em toda a ilha da Jamaica. Comemorações anuais incluem o aniversario do Imperador Haile Selassie I (23 de julho), a data da coroação do Imperador (2 de novembro) e o aniversario de visita do Imperador a Jamaica em 1966 (21 de abril). Os Nyahbinghis também realizam Assembléias ou “Congregações” que são consideradas como “serviços divinos”

A musica com os tambores , a dança e as palavras fazem parte da celebração e do culto e tambem são denominadas de Nyahbinghi. Como parte da ressureição dada batida africana, a musica Nyahbinghi ou Heart Beat (batidas do Coração) está ligada às harpas do Rei Davi, usadas para compor os salmos reais do Velho testamento.

As congregações Nyahbinghi usualmente duram de três a sete dias, tempo para a comunidade se reunir e revitalizar a fé Ras Tafari através de atividades como por exemplo tocar tambores, cantar orações , ler trechos da bíblia , fumar maconha e dançar. No centro da celebração Nyahbinghi está o Tabernáculo onde acontece o ritual. Com as cores da bandeira da Etiópia (verde ouro e vermelho), os Nyahs chamam a Israel seu destino providencial – “África, sim! Jamaica, não!” “Jah chama os cantores e tocadores de instrumentos”, “Repatriação agora!”.

O tabernáculo Nyahbinghi é a sala circular do trono do arco- íris (representado pelas cores da bandeira da Etiópia), o poder sagrado do solo de onde emana o terremoto, a luz, o trovão, o fogo e o enxofre do Armagedon. O “chalice”( cálice , cachimbo Rasta) Passa de mão em mão em volta do altar , ativando ritualisticamente os símbolos do calor , ar e agua , as forças primais da criação . Atraves da Palavra, Som & Poder (Word, Sound & Iwah) a fé está unida com a cabeça Criadora (Ras Tafari) num tipo de telepatia mística, que tem o intuito de cantar a queda da babilonia , para livrar a Terra da perversidade e restaurar a ordem natural da Criação e seu estado original de perfeição. Fora do Tabernáculo fica uma grande fogueira onde um Homem de fogo permanece em vigília para manter as chamas da justiça e do julgamento acesas até a hora da repatriação chegar.

“A MUSICA do CORAÇÃO”

De acordo comum relato de um observador do movimento em 1953 havia uma falta acentuada na batida dos tambores nos primeiros encontros de rua dos Rastas. Nesses encontros, hinos de ressuscitação dos cultos afro-cristãos conhecidos como pocomania e Sião foram adaptados para o desenvolvimento da liturgia Jesus Cristo em todos os textos das canções. Hinos Garveyistas e até o Hino Nacional Etíope Nyahbinghi eram cantados. Naquele tempo o antagonismo entre os grupos Rastas e os Revivalistas cresceu, buru foi naquela época a musica Rastafari, inspirando seus tambores . Buru foi naquela época a música mais popular derivada da seculariedade africana em Kingston. Apesar da clara derivação da batida Nyahbinghi, da base, do fundo e do marcador dos três tambores Burus, as duas tradições tem ritmos basais distintos. Todavia, ambos estilos tem antecedentes históricos diretos na tradição musical do oeste e do centro da África. Ambos têm uma organização rítmicas baseada na intercalação das batidas tocadas em vários tambores.

A musica Nyahbinghi é um compaço retirado do passado Africano, mas a distancia é musicalmente evidente ate pelos toques improvisados do lider e marcador. A batida Nyahbinghi , com mensagens da Redenção Negra, tem sido incorporadas dentro do reggae. Essas conções populares de libertação são ouvidas hoje mundialmente , dos sound systems de rua de Kingston ate os shebeens do soweto , na Africa do Sul.

I & I – EU PODEROSO

A “conversa Rasta” a forma ritual de se falar , praticada em diferentes graus no movimento , é especialmente proeminente entre os aderentes da Ordem Nyahbinghi. Considerando o movimento messiânico e também milenar Ras Tafari I encaixe-se na discriminação “anti sociedade” , “uma sociedade estabelecida dentro de outra sociedade” como uma alternativa consciente. É um modo de resistência ao mercado ainda “escravista” da moderna babilonia. A fala Ras Tafari como uma “anti-lingua não é somente paralela a sociedade , é de fato gerada por ela”. A anti-lingua cresce quando á realidade alternativa é uma realidade contrariada, estabelecida em oposição a realidade subjetiva , não meramente expressando isso, mais ativamente criando e mantendo essa outra forma de expressão , que nada mais é que uma ação coletiva.

“I and I” (Eu e Eu) é usado seja onde um pronome aparecer no discurso; substitui ‘você e eu’. O uso obliquo do pronome expressa a igualdade presumida entre os Rastas. “I and I” significa a identidade comum dos oradores como filhos de Haile Selassie I. Os nomes proferidos pelos Rastas exemplificam a associação do homem e Deus. A enunciação de “I”(eu) quando pronunciado “Jah Ras Tafari I” ou “Haile I SelassieI” conecta a intenção pessoal com a vibração divina.

“Quem é você ? não há nenhum você. Há somente Eu, Eu e Eu. Eu é você, Eu é Deus, Deus é Eu. Deus é você mas não há nenhum você, porque você é Eu, então Eu e Eu é Deus. Nós somos todos cada um e um com Deus porque é a mesma energia de Vida que flui em todos nós”.

Alem disso, a linguagem (I – ance, parlance) Ras Tafari I envolve o remodelamento e ocultamento de itens lexicais para encontrar sua necessidade. Uma técnica comum é conotar um símbolo, incrementado o significado da palavra; por exemplo, transformando “opressores” em “depressores”(opressers= downpressers), “políticos” em “politruques” (politics = politricks), “entendimento” em “sobreentendimento” (understand = overstand). O uso de algumas palavras pelos Rastas que viviam nas colinas da Jamaica davam significado à visão que eles tinham dos urbanos; por exemplo “city” (cidade) = “shity”(merda) ou também para designar o modelo social – “system” (sistema) = “shitstem” (sistema de merda), “situation” (situação) = “shituation” (situação de merda). Quando a

falta de cultura, no cunho educacional – “education”(educação)= “head-decay-shun” (cabeça- decadente- afastada) e principalmente a

valorização de personagens europeus históricos, ligados à igreja católica e que faziam comercio de escravos negros – “Christopher Colombus” (Cristovão Colombo)- “Christ-Come – To- Rob – Us”(Cristo veio nos roubar) fez com que milhares de palavras viessem a surgir no vocabulário denominado de Patois.

Este vasto vocabulário tem a intenção de definir o mundo no qual o Rasta vive, tanto o sistema econômico, religioso e politico como também a aspiração espiritual. Todas as palavras que tem pronome “I” referem-se exclusivamente aos valores ou rituais que os Rastas davam importância ; por exemplo, “I-shence” = “icense (incenso),

(maconha) “I-ses” = “praises”(orações) , “I- ration” = “Creation” (criação), “Ithiopia” = “Ethiopia” (Etiópia) . “I-wah” = “power”(poder) “I-tes”= “thoughts” (pensamentos).

A compreensão da redenção africana é similarmente conotada pelo conceito de “Eu” . “For I” ou “Far Eye” (Para Eu ou Olho que Enxerga Longe) usados em Rastafari I são termos para denominar a visão mística. A experiência visionaria é interna, parte pelo processo de conversação, e ultimamente pela noção visionaria que rendenção é igual a repatriação ; a visão da Africa concorda com a expectativa da salvação.

GANJA E DREADS

Justificações ideológicas para o ritual de consumo da ganja (maconha) são comuns entre os Rastas. O uso religioso da erva é feito pelo processo de plantação, colheita e consumo. Os Rastas acreditam no poder da maconha, através da abertura de um canal telepático que aumenta a percepção da realidade. Também se dizem no direito de fumar pelo fato da Bíblia trazer passagens indicando o consuma da erva pôr parte dos profetas no Velho Testamento. “Foi encontrado no sepulcro do Rei Salomão vestígios de maconha, e de uma espécie muito mais poderosa que a encontrada hoje em dia”.

A Jamaica é uma das maiores produtoras de ganja no mundo e também das mais baratas. Ainda é ilegal o consumo da erva; pôr esta razão, muitos Rastas foram mortos e perseguidos pôr toda ilha. As plantas de maior qualidade encontradas na Jamaica são Lambsbread e Sinsemila.

O Dreadlock, distintamente despenteado e com a barba e o cabelo longo é outra apresentação da identidade cultural dos Rastas. Muitos jamaicanos inclusive, freqüentemente consideram a aparência desleixada dos Dreads como uma indicação de falta de padrões de limpeza. Eles incorretamente dizem que os Rastas nunca lavam seus cabelos.

Aqueles com dreadlocks são estigmatizados como loucos pela sociedade jamaicana em geral. Os Rastas também são conhecidos como “Knotty Dread” (Dread barbudo) ou na linguagem que freqüentemente usam- “Natty Dread”. Eles são rejeitados à empregos basicamente pôr suas aparências. Na sociedade jamaicana colonial e pós – colonial , a policia em muitas ocasiões cortava os cabelos dos Rastas (dreadlocks) como um ato de rejeição pública e controle social sobre o movimento.

Os Rastas crêem no poder místico dos Dreadlocks são entendidos de acordo com a interpretação bíblica como o “voto dos Nazarenos”, e também como prova de serem eles os “escolhidos” durante esse tempo de julgamento. Finalmente, eles fundamentalizam o crescimento dos dreads como um estado natural de aparência do Homem , sancionado pôr Deus. “O brilho dos dreads é o brilho da luz negra, um ato feito para chamar as forças do Julgamento para fazer o coração perverso cair fora da Criação, para destruir e paralisar todos os depressores”. Dentre outras argumentações apresentadas pelos Rastas com relação ao dreadlock, a mais conhecida é que a barba e os cabelos compridos representam a juba do leão, símbolo da filosofia Rasta.

O LIVRO DA VIDA

Entre os Rastas é muito comum a interpretação daas passagens bíblicas. A versão bíblica do rei James da Inglaterra é tida como contendo apenas metade do “livro da Vida”. Os próprios Rastas costumam lembrar que “a outra metade nunca foi contada”. Os Rastas usam a versão Macabeus de origem etíope, considerado o livro integral da Revelação. Entre revelações encontra-se o segredo e o significado dos Sete Selos do Rei Salomão.

“E Eu chorei muito pôr nenhum homem ser merecedor de abrir o livro nem soltar os Sete Selos. E um dos anciões disse, “Não chore, contemple o Leão da tribo de Judá. A raiz de Davi foi capaz de abrir o Livro e soltar os Sete Selos, e Eu contemplei, e no meio do trono, no meio dos anciões , um cordeiro foi morto pô sete chifres, de sete olhos, e dos sete espíritos de Jeová eterno, enviado adiante pôr toda a terra , e Ele veio e tomou o livro na mão direita de Sua Majestade Jah Ras Tafari I que está sentado no Trono”. E o sétimo Selo foi libertado. O Sétimo Selo é conhecido como Haile Selassie I , o Primeiro da Etiópia”.

HIS

O significado de Haile Selassie I em relação aos Sete Selos foi revelado a um lider de uma comunidade Rasta em uma Visão. Em fazendo pública sua visão, ele se auto – proclamou em uma posição de liderança profética pôr sua habilidade em interpretar o significado do sinal revelado.

OS “ELDERS” ANCIÕES

Diferente da Igreja Ortodoxa Etíope das Doze tribos de Israel e da Comunidade do Principe Emmanuel (todas essas congregações Rastas), a ordem Nyahbinghi não tem um único local permanente e central para suas celebrações, e nem mesmo se esmeram na figura de um só líder. Na verdade, os próprios Nyahbinghi clamam que cada individuo é um templo em si mesmo, e deste modo desdenham aqueles que enfatizam o uso de construções como essencial para as celebrações comunais.

A Ordem Nyahbinghi não tem uma corporação organizacional formal com membros nomeados ou eleitos, onde as decisões são tomadas pôr seus associados. O Imperador Haile SelassieI é reconhecido como a “cabeça” da Ordem Nyahbinghi. Sua indisputável autoridade espiritual serve como uma barreira efetiva para a formação de um conselho elitista regulador. Os mais velhos, os “elders” fazem parte da liderança operacional dos Nyahbinghi, baseada principalmente no carisma. O reconhecimento daas habilidades sociais e espirituais, juntamente com o tempo de compromisso ao movimento determina um Rasta ser um “elder” (ancião). Aqueles que são competentes em conduzir uma celebração e tem o conhecimento da tradição Rastafari emerge como um líder dentro de sua congregação.

REGGAE

Chegando o final da década de 60 , muitos Rastas se vira, em condições de extrema pobreza, banidos economicamente do sistema capitalista. Em sua maioria , os Rastas procuram se manter financeiramente através da arte, em especial a artesanato. É bem reconhecida a habilidade dos Rastas em esculpir peças de motivo africano; como máscaras, estátuas e símbolos bíblicos.

Mas onde melhor a cultura Rasta se propagou foi na musica, com o Reggae . A origem do Reggae é o Ska, um ritmo acelerado com instrumentos de metal, oriundos da musica negra americana dos anos 50 e 60. Da metade para o final da década de 60, o Ska se tornou mais lento, dando origem ao Rocksteady. Os metais deixaram de ser os instrumentos que marcavam a musica, e em seus lugares foi inserido a percussão africana com a batida da guitarra num estilo Rock. Esse ritmo a partir do inicio da década de 70 passou a ser mais lento ainda e com outro nome , agora o Reggae. A maioria dos cantores e bandas famosas da Jamaica passaram por esses três estilos de ritmo, enter elas os “Wailers”, grupo formado em seu início por Bob Marley, Peter Tosh e Bunny Wailer (considerados profetas musicais pelos Rastas).

A industria fonografica jamaicana teve um avanço incrível nas décadas de 60 e 70, apenas pelo fato de varias bandas e cantores, todos Rastas, aparecerem no cenário musical . O Reggae é tido pelos próprios Rastas como sendo a musica de Jah (Deus), primeiro por Ter a mesma batida do coração e depois pelas mensagens, com letras principalmente de caráter religioso e de protesto racial e político.

Que rei Lula é?

Sebastião Nery

RIO - Teferi Makonnen Hailé Selassié, negro, de barba e bigodão, coroado "negus" (imperador) da Abissínia-Etiópia em 1930, "Leão conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus, Rei dos Reis", já com quase 70 anos, veio ao Brasil de 13 a 16 de dezembro de 1960, com enorme comitiva.

Estava jantando com o presidente Kubitschek no Palácio da Alvorada, aproxima-se um assessor e lhe diz qualquer coisa no ouvido. Selassié parou um instante, pensou, voltou a jantar tranquilamente. Juscelino percebeu:

-Alguma coisa, imperador?"

-Presidente, acabo de ser deposto por meu filho, na Abissínia (hoje novamente Etiópia). Mas eu sei que rei sou eu. Não vamos alterar o programa. Quero apenas, quando sairmos daqui, um audiência reservada com o senhor.

Juscelino

Depois do jantar, foram para o gabinete, Selassié pediu a Juscelino que convocasse o gerente do Citibank. Queria sacar US$ 100 mil para alugar um avião e mandar de volta os cem generais que tinham vindo com ele.

Juscelino chamou, veio o gerente, não podia ser.O dinheiro, depositado em nome do País, já tinha sido bloqueado por ordem do novo governo de Adis-Abeba. Só havia uma possibilidade: se o Brasil avalizasse o cheque.

JK mandou chamar o secretário-geral do Itamaraty, Edmundo Barbosa da Silva, que estava respondendo pelo ministério do Exterior, porque o ministro Horácio Lafer estava viajando.

Na hora de assinar o cheque, avalizando-o, o embaixador tremeu tanto que a assinatura não saía. Juscelino tomou-lhe a caneta:

-Ora, Edmundo, me dá isso que eu assino.

Salassié da Etiópia

Juscelino assinou, avalizou o cheque, Selassié alugou um avião da Panair, embarcou na frente de seus cem generais, cumpriu fielmente todo o programa no Brasil e voltou para Adis-Abeba. Os três chefes do golpe o "ras" Imru, primeiro-ministro, o general Girmamé Neway, governador de província, e seu irmão Mengistu, comandante da guarda imperial, mataram um grupo de nobres que tinham tomado como reféns, e "suicidaram-se" depois.

Selassié deu uma surra de chicote, no meio da praça central, no filho e príncipe herdeiro, Merede Azimach-Asfa Wessen Hailé Selassié, mandou-o para Londres como embaixador. E continuou imperador até setembro de 74, quando afinal foi deposto e preso por um golpe militar, aos 82 anos.

Que rei sou eu

Em 74, quando Selassié foi derrubado, perguntei a Juscelino:

-Presidente, e se o Leão de Judá não conseguisse reassumir?

-O prejuízo seria de US$ 100 mil. Muito mais barato do que deixar e sustentar no Copacabana Palace, e toda noite no Sacha's, cem crioulos, generais abusados, mal-acostumados com o poder total.

E deu uma de suas gargalhadas de janela abertas e olhos fechados. Parou um pouco, pensou, falou mais para ele do que para mim:

-Tanto faz ser imperador na Etiópia, presidente no Brasil ou prefeito em Diamantina. Chega uma hora de decidir. E quem tem que decidir é você, eleito pelo povo ou herdeiro de uma ditadura africana. Ouve, discute, analisa, mas não pode transferir a decisão. Se transferir, não dá certo. Na hora ou lá na frente, vai ficar pior. No Governo você tem sempre que saber que rei você é.

Lula não decide

O problema mais dramático que o País enfrenta hoje não é o modelo econômico inviável, a economia trôpega, quase paralítica, o desemprego galopando, a questão social explodindo, a sangria salarial gritando nas ruas, o Banco Central cada dia mais um transgênico sindicatão de banqueiros.

Tudo isso podia ser enfrentado por um governo de verdade. Mas governo de verdade é governo que decide. E o País de repente passou a perceber que esta é nossa maior tragédia: Lula é um Presidente que não preside, um governante que não governa, um mandatário que não decide.

E não é má vontade ou má fé. É inapetência, preguiça. Ele é assim mesmo. Sempre foi. Faz parte da natureza dele. E acha que sempre deu certo.

Presidente prefalante

No primeiro ano, o País foi embalado pela palavra fácil, pela lábia solta de Lula, que encantava uma metade e engabelava a outra. Mas chegou uma hora em que é preciso mostrar alguma coisa, transformar palavras em fatos.

Etodo mundo de repente começou a se dar conta de que este é o nó da questão: falta um presidente. O País elegeu um presidente e Lula é um prefalante. Votamos em Lula para governar e ele não gosta de governar.

Vejam a Imprensa. Só se fala nisso. Numa só página da "Folha", três artigos dizem que "o Governo Lula não sabe administrar" (Vinícius Freire), "o presidente não sabe bem o que fazer para governar" (Heitor Cony), "a maior carência do Brasil hoje é a falta de governo" (José Serra). Cadê meu voto?

Ensaio em homenagem ao Imperador Hailé Selassié


Mário de Méroe

No curso da História, houve três reinos, independentes e distintos entre si, os quais, em épocas próprias, foram denominados Etiópia: Napata, Méroe e Aksun (ou Axum).

Ao exame dos textos históricos, parece ressaltar que a denominação de Etiópia aplicava-se, mais apropriadamente, ao reino de Aksun (Axum), enquanto para Méroe e Napata representava apenas uma designação greco-romana.

O termo Etiópia (Ethiopia) parece ter resultado do esforço dos escritores gregos antigos para designar essa região da África Oriental, cujo nome originário, indígena, era ininteligível para eles. Seu significado é, aproximadamente, “país das gentes de rostos queimados”, ou seja, genericamente, a raça negra.

A designação indistinta de Etiópia para designar, genericamente, todos os países antigos situados ao sul do Egito, praticada por escritores antigos, dificulta a compreensão exata da localização geográfica de eventos registrados pela história, ocorridos naquela parte do mundo. Observe-se a narrativa bíblica (Atos dos Apóstolos, cap.VIII, 27/39) onde um dos personagens seria um “alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia”. Um rápido exame dos mapas da região nos convence que, em época tão remota, longe das conquistas dos atuais meios de transporte, seria improvável que um alto funcionário ousasse ausentar-se de suas funções para cumprir tal viagem, dada a enorme distância entre o local do encontro com Felipe (Jerusalém) e o reino da Etiópia (atual).

O termo Candace, comum aos textos bíblicos e de História, originário do grego Kandakê é a forma latina, com influência francesa, de Kantakai. Representava o título real comum às raínhas do império etíope. Os gregos e os romanos usavam essa denominação como nome próprio das soberanas com as quais mantinham relações políticas.

O império abissínio teve início mil anos antes da era cristã, e terminou em 1974, com a deposição do último imperador.

A origem lendária do império remonta ao filho de Salomão, rei dos judeus, com Balkis, rainha de Sabá. Esse filho é chamado, por alguns autores, por Menelik, e por outros, de David, e é apontado como origem dos negus da Abissínia.

Ainda segundo a tradição abissínia, durante sua permanência em Jerusalém, a rainha de Sabá tornou-se mulher do rei Salomão. Teria retornado ao seu país grávida, e teve um filho, que foi educado em Sabá durante a infância. Na adolescência, foi enviado a Jerusalém, para aprimorar seus estudos e conviver com seu pai, por alguns anos, procurando absorver sua proverbial sabedoria. Nessa ocasião, teria sido ungido e sagrado no Templo, com o nome de David, em homenagem ao seu avô, retornando, após, para junto de sua mãe.

Finalmente estabeleceu-se na Abissínia, tendo subido ao trono e introduzido a religião judaica em seu país, originando as cerimônias que os abissínios ainda conservam.

Salomão (do hebraico Chélômôh), filho do rei David e de Bethsabá, viveu entre 1032 e 975 A.C.

Sabá foi uma cidade da Arábia antiga (Arabia Felix), junto a costa ocidental do Mar Vermelho, capital do reino do mesmo nome, que os gregos chamaram de Miriaba. Esse país, posteriormente, passou a chamar-se Yemen.

A tradição árabe conta que a rainha Balkis (Belkis), atraída pela fama de riqueza e sabedoria que adornavam o rei dos judeus, resolveu visitá-lo, tendo sido sua hóspede e mantido o relacionamento que resultou no nascimento de um filho, do qual descendem os reis da antiga Abissínia.

O episódio é confirmado (parcialmente) pela narrativa bíblica (Reis, cap. 10, vers.1 a 13, e Crônicas, cap. 9, vers. 1 a 12), exceto no que se refere ao nascimento do filho mencionado nas tradições árabes e etíopes.

Os autores árabes atribuem à rainha de Sabá dessa narrativa, o nome de Balkis ou Belkis. Outros autores a denominam de Makeda, ou Makida.

A Abissínia teve origem no antigo reino de Aksum (Axum).Em 1941, reivindicou o nome do antigo território, e passou a denominar-se Etiópia.

Os soberanos da milenar Abissínia, desde a antiguidade, usavam o título de Negus, pretendendo descenderem do rei bíblico Salomão, e da lendária rainha de Sabá.

O último negus etíope, Hailé Selassié, que reinou de 1930 a 1974, usava os títulos da tradição bíblica de “O Eleito de Deus”, “Rei dos Reis”, “O Leão de Judá”, e timbrava os documentos oficiais com o “selo de Salomão”.

Selassié nasceu em 1891[1], e tinha o nome civil de Tafari Makonen. Seu pai, o rás Makonnen, era um dos filhos do imperador Menelik II[2]. Exerceu o cargo de rás

(governador civil e militar) do Choá, uma importante unidade política e administrativa do país. Foi regente da coroa, durante a menoridade da princesa Zauditu, elevada ao trono durante a primeira guerra mundial. Com o falecimento desta, assumiu o poder e foi sagrado imperador, em 1930, com o nome de trono de Hailé Selassié. Como monarca poderoso, introduziu a primeira constituição no país, criou um Parlamento, modernizou o exército e aboliu a hereditariedade dos cargos de rás das províncias.

Em 1935, a Itália, contaminada pelos ímpetos expansionistas de Mussolini, invadiu a Abissínia e forçou o negus ao exílio. Nessa ocasião, no ano de 1936, proferiu corajoso discurso, junto a Liga das Nações, protestando contra a omissão dos Chefes de Estados das demais nações, face ao perigo nazista iminente. Foram suas palavras:

”Eu jamais acreditaria que todas as nações do mundo, entre as quais as mais poderosas da terra, pudessem acovardar-se diante de um único inimigo. Mas, diante de Deus, nenhuma nação é melhor do que outra”.

E profetizou: “Hoje fomos nós, amanhã serão vocês”.

Em 1974, um golpe militar aboliu o regime monárquico e depôs o imperador, já velho e doente, que faleceu (há indícios de que foi assassinado) em 1975, um ano após ter sido despojado do milenar trono abissínio.

[1] As fontes consultadas divergem sobre a data de nascimento do imperador, ora indicando 1891, ora 1892.

[2] Também na relação de parentesco do negus, em relação ao Imperador Menelik II, há divergências, sendo apontado por algumas fontes como neto, sobrinho-neto, primo em primeiro/segundo grau e outras posições genealógicas.

14.1.06

Hailé Selassié visita o Brasil em 1960

Leo Vidigal

Sua Majestade Imperial Hailé Selassié I veio ao Brasil em dezembro de 1960 em missão diplomática. Veja como foi:

12 de dezembro - Selassie desembarca em Recife em uma aeronave da Ethiopian Airlines, acompanhado pela eta Aida Desta e os vinte e cinco integrantes da sua comitiva.

13 de dezembro - Partida para Brasília. Audiência no Palácio da Alvorada com o presidente Juscelino Kubitschek (foto acima: José Pereira Rocha). Visita o Congresso Nacional e o STF (Superior Tribunal de Justiça).

14 de dezembro - Sobrevoa a capital em companhia de JK. Embarque para São Paulo. Audiência com o governador Carvalho Pinto. Encontro com lideranças populares no ABC. Começa a receber notícias sobre um golpe militar que estava acontecendo na Etiópia.

15 de dezembro - Obrigado a voltar a seu país para controlar o golpe. Levanta vôo ao raiar do dia.

Sua agenda ainda previa uma visita ao Rio de Janeiro, onde iria oferecer uma grande recepção ao presidente JK no Copacabana Palace, o mesmo local em que, vinte anos depois, Bob Marley se hospedaria. A rebelião na Etiópia seria controlada em menos de dois dias. Três anos depois ele iria patrocinar a primeira reunião da Organização da Unidade Africana, em Addis-Abeba, capital etíope. Em 1974 Haile Selassie I seria derrubado por militares de inspiração cambojana que mergulharam o país em um banho de sangue. O imperador foi assassinado covardemente em 1975, asfixiado com o próprio travesseiro.








Selo comemorativo da visita de Selassie

Um messias em Brasília


Demóstenes Torres


Caso o presidente Lula fosse habituado à leitura, daria por certo que decidiu buscar o refúgio dos seus últimos dias em “O Imperador”, do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski.

Centrada em depoimentos, a obra é uma reportagem, com muito sabor de literatura, sobre a Etiópia nos tempos do “rei dos reis”, Hailé Selassié I. Ao contrário do falador presidente do Brasil, o monarca africano conservou um mandonismo de 44 anos com “retraimento, discrição e silêncio”. Mas há muito da Era Lula nas práticas nefastas que mantiveram Selassié I como fonte originária do poder absoluto, “o escolhido de Deus”, descendente direto do Rei Salomão.


O imperador etíope ascendeu ao trono em 1930. Como o presidente Lula, amava o fausto dos Palácios e tratou, logo nos primeiros tempos do império, de comprar a própria aeronave. Outro ponto em comum: o adorável apreço pelas missões no estrangeiro e o recebimento de honorárias delegações internacionais. Assim como o primeiro-funcionário se sente, o ex-monarca era um reformador. Em 1950 aboliu definitivamente a escravidão. Em outro decreto instituiu a profissão de carrasco. O Ministério da Pena era a Abin de Selassié I.


Por intermédio de uma bem articulada rede de delação e espionagem, mantinha equilíbrio sustentável do poder. Abaixo do monarca havia rígida hierarquia estabelecida pelos estamentos sociais mais elevados, mas o imperador tecia seu próprio sistema de influência, sempre com o apelo à pessoalidade. Nem aristocrata nem burocrata, o professor Delúbio Soares seria uma “pessoa especial” na corte de Selassié I. A se considerar o que fez por devoção a Lula, a ele seria destinada função de maior confiança e de igual escárnio.


Os tempos do imperador da Etiópia e do reinado do PT guardam afinidade simpática. Na corte de Selassié I, “para galgar os diversos degraus do palácio era preciso, em primeiro lugar, ter conhecimento do que era negativo, do que não era permitido”. Tinham a proteção extra os ineptos e os de pouca sabedoria, pois eram entendidos como elementos estabilizadores do império. Conta o jornalista polonês que ao imperador era agradável multiplicar os bens e engordar as contas bancárias dos cortesãos . “Corrompam-se à vontade, desde que permaneçam leais a mim!”, eis o lema de Selassié I. Uma espécie de “não sabia de nada” do presidente Lula.


No livro há uma passagem interessante que tem paralelo com os parlamentares expulsos do PT, quando já grassava o mensalão e o caixa 2. Por intermédio de um depoimento, Kapuscinski narra que talentoso governador de uma pobre província decidiu desviar dinheiro de corrupção para investir na construção de escolas. Foi rebaixado na “Hora das Nomeações” e caiu em desgraça.

O movimento Ras Tafari acredita que virá o Novo Reino e com ele a redenção da humanidade. O pai da nova ordem é Haile Selassié I. Não é preciso esperar o messias. Reggae na caixa pessoal, ele mora em Brasília.

O Imperador

O IMPERADOR
DE RYSZARD KAPUSCINSKI

O renomado correspondente Ryszard Kapuscinski traça um retrato da extravagância e da corrupção de que a corte do imperador Hailé Selassié I desfrutava enquanto a Etiópia se tornava um dos países mais miseráveis do mundo. Com posfácio de Mario Sergio Conti.




Selassié: relatos da corte

De Guss de Lucca
A história de O Imperador começa, de fato, 15 anos antes de Ryszard Kapuscinski retornar à Polônia para colocar no papel os depoimentos que viriam a formar um de seus mais célebres trabalhos.

O real início deste relato ocorreu durante a primeira visita do jornalista a Adis-Abeba, capital da Etiópia, em 1963, período em que trabalhava como correspondente internacional de uma agência de notícias e era o único responsável por todo o continente negro. Obrigado a viajar constantemente pelas nações africanas, Kapuscinski acabou testemunhando em sua carreira dezenas de revoluções e golpes de estado, dentre os quais fez parte o que destituiu o monarca Hailé Selassié I do trono etíope.

Mas é antes da revolução que derrubou o monarca que a história teve início, durante um grande banquete que estava sendo preparado por Selassié I para recepcionar os chefes de estado das nações independentes da África, o primeiro encontro da OUA, Organização da Unidade Africana. E se os preparativos da grande recepção já deixaram perplexo o recém-chegado, a ocasião deu a Kapuscinski a primeira oportunidade de entrar em contato com a cultura palaciana do soberano, que governava como "O Escolhido de Deus" uma nação de extremos: miséria absoluta da população, de um lado, luxo e ostentação da corte palaciana, do outro.

E enquanto os três mil convidados que chegavam assistiam ao show de fogos de artifício, o repórter testemunhava a massa de mendigos famintos que, do lado de fora do palácio, aglomerava-se em plena chuva, batalhando pelos restos de comida que os empregados despejavam de tempos em tempos em sua direção.

Anos mais tarde, com o fim do regime do imperador decretado e a nação envolta pelo caos de uma guerra civil, Kapuscinski retornaria a Etiópia com o objetivo de localizar os poucos representantes da vida palaciana que ainda não haviam sido executados ou trancafiados pelo atual governo.

Para concretizar seu objetivo ele buscou o auxílio de Teferra Gebrewold, ex-chefe de um dos departamentos do Ministério de Informação de Hailé Selassié, que se tornaria o guia do jornalista. Somente com sua ajuda Kapuscinski conseguiu extrair dos cortesãos os relatos que o ajudaram na construção de um retrato íntimo, distante da imagem mítica do "Rei dos Reis" da Etiópia.

Dentre os entrevistados estavam homens que haviam dedicado décadas de suas vidas à execução de tarefas no mínimo inconcebíveis para nós, leitores ocidentais, como era o caso do "cuco do rei", responsável por avisar o monarca de que havia outros compromissos à sua espera curvando-se diante dele, e seu "colocador de almofada", cujo trabalho era selecionar entre as 52 peças que possuía qual se adequaria mais ao trono em que Selassié viria a sentar-se.

Surpreendentemente, para quem tinha expectativa de que em tal tipo de corte os "funcionários" relatassem atitudes atrozes e sanguinárias do soberano, isso não ocorre: o livro não registra sequer uma crítica direta ao monarca, ao contrário, Hailé Selassié surge nestes relatos como um homem inteligente, ponderado e preocupado com o desenvolvimento de seus súditos.

E esse é sem dúvida o grande trunfo de O Imperador. Uma história narrada por quem só conhecia a vida como submissão e que contém tantas ou mais alusões às qualidades quase divinas do soberano quanto se esperaria de uma biografia vinda da própria elite palaciana, tamanho o condicionamento no qual viviam os súditos de Selassié.

Em uma das passagens que melhor retrata essa radical submissão, o autor descreve como o pai de um estudante universitário critica o filho por ter começado a pensar, pois "pensar, naqueles dias, era algo muito inconveniente, um defeito capaz de atrair sérias conseqüências, embora o digníssimo amo, em sua incessante preocupação com o bem-estar dos súditos, não poupasse esforços para livrá-los dessa inconveniência, desse defeito."

Mesmo já livres do antigo regime e distantes dos olhos e ouvidos de Hailé Selassié, os empregados do palácio mantinham-se fiéis ao imperador e à crença de que ele era incontestavelmente "O "Leão de Judá", o homem forte, que prezava apenas uma única qualidade nas pessoas, a lealdade.

É essa lealdade que Kapuscinski vai encontrando em cada depoimento e que contribui para matizar a imagem tirânica que os opositores atribuíam ao soberano, emprestando a Selassié os atributos de um mito, uma entidade que havia permanecido 44 anos no poder e que ganhara muito mais força após a morte.

Kapuscinski acabou por revelar ao mundo um lado da história palaciana que permanecera escondido dentro de seus portões por décadas, trazendo à tona uma poderosa e quase infalível rede de intrigas sustentada pelo imperador, cujo objetivo era manter a lealdade de seus súditos praticamente sem que ninguém precisasse policiá-los a todo instante.

Essa tarefa de vigília e denúncia era suprida pelos próprios funcionários, que temiam o expurgo mais que a morte, pois "como homens do palácio éramos pessoas importantes, de destaque, respeitadas, acatadas, e tudo isso nos dava uma sensação de importância e utilidade, de existirmos de fato, de fazermos parte do mundo (...) E então nosso amo podia (...) nos mandar de volta para casa para sempre. Numa fração de segundo tudo desaparecia e você deixava de existir."

Trágico e revelador, O Imperador traduz em linguagem leve e fluente um período único na história da Etiópia, criando em suas páginas a possibilidade de estabelecer vínculos com leitores das mais variadas origens, mesmo aqueles que nunca tenham se aproximado de uma obra de jornalismo literário.

"Um trono só dá dignidade quando contrasta com a humildade dos que o cercam; é a humildade dos subordinados que aumenta a importância da cadeira real e lhe dá sentido."
(citação de W.A-N, criado de Hailé Selassié I)

Ryszard Kapuscinski nasceu em 1932, em Pinsk (hoje Bielo-Rússia), então pertencente à Polônia. Desde 1954 é repórter da PAP, a agência de notícias polonesa, encarregado de coberturas no exterior, sobretudo na África e na América Latina. De 1964 a 1980, realizou matérias sobre 27 revoluções, golpes de Estado e insurreições diversas.

Bob Marley, a vida depois da morte


Fernando Gabeira

O som do reggae vem do quarto dos meninos e você fica atento para distinguir a música. É a voz de Bob Marley. Running and running and running away. Mas ele não morreu há 25 anos? Deve haver um segredo para a vida depois da morte.

No caso do menino que nasceu de mãe negra e pai inglês, no interior da Jamaica, no fim da II Guerra, o segredo tem muitas faces e não se deixa desvendar num passe de mágica.

Muita gente cantou a saga dos oprimidos. Bob Marley viveu o inferno da pobreza nos bairros pobres jamaicanos e a expressou com a força de sua experiência. É uma tese.

Bob Marley surgiu num momento em que as revoluções clássicas do tipo marxista estavam em colapso. E as minorias raciais nas grandes metrópoles tinham um grande anseio de identidade. Ele a ofereceu na forma de letras diretas e lindas melodias. Outra tese. E assim de tese em tese é possível explicar Bob Marley e seus admiradores, sem admitir que tudo isso é muito pouco para descrever seu grande impacto estético da década dos 70.

Para mim, Bob Marley não chegou sozinho, como se caisse dos céus com sua bandeira da Jamaica, a grande foto de Haile Selassie. Mesmo sem monitorar a música caribenha, que já havia nos dado o calipso, lançado o ska e emergia agora com o reggae, intuía-se na Europa, onde vivia no exílio, que alguma coisa estva contecendo na Jamaica.

O primeiro sinal foi um filme cult que passava na televisão. The harder they come era seu nome. Contava a história de um jovem e talentoso cantor, perseguido pela polícia. Era um rude boy. Um nome dado às violentas gangues juvenis que dominavam os bairros pobres de Kingston, em conflito permanente com a lei.

Portanto, antes de Bob Marley nos ser apresentado, já se conhecia o fascinante meio social onde cresceu e o tipo de música que brotou desse caos urbano.

Os bairros pobres de Kingston com seus barracos destelhados eram apenas um cenário que projetaria a maior estrela do Terceiro Mundo. Ele chegou ali com uma história singular.

Robert Nasta Marley nasceu num vilarejo rural da Jamaica, chamado Nine Miles. O pai, o capitão inglês, Norval Marley, seduziu uma garota negra de 17 anos, Cedella, e a abandonou com o filho no colo.

O menino cresceu admirando a coragem de mãe que enfrentou não só o abandono mas também o estigma de ter transado com um homem branco. Embora na cabeça de Robert isso não tinha trazido nenhuma hostilidade especial aos brancos, foi o avô, da tribo dos Cromantees, valentes escravos que se batiam contra os colonizadores, que encarnou a figura paterna. O avô era um obeah, uma espécie de curandeiro.

A força da jovem Cedella e a espiritualidade do avô foram as influências que marcaram o menino a quem se atribuiam dons extraordinários. Se vivesse com um distante pai inglês, talvez sua base de lançamento fosse menor, o vôo mais curto.

Num momento de sua infância o pai resolveu trazê-lo para Kingston. E o abandonou, deixando-o na guarda de outra mulher. Nesse momento, não era o filho de Narval que ganhava as ruas miseráveis de Kingston e começava a descobrir seus segredos. Era o filho de Cedella, o menino influenciado pelo avô que conseguiria transitar pelas ganges de Rudes Boys, participar de alguns conflitos de rua, mas emergir com uma clara consciência de que era preciso transcender esse mundo através da música que o redimisse.

Na segunda vez que volta a Kingston, agora com sua mãe Cedella, Bob Marley pode atenuar a angústia materna com essa frase: não se preocupe, não vou trabalhar para eles. Ele queria dizer com isso que frequentava as gangues, mas que seu olhar estava bem na frente. Mas não disse para a mãe de onde iria tirar o combustível para voar bem acima das violentas gangues e da polícia. Esse combustível eram a música e a religião.

Embora entrelaçadas, a música precedeu à mensagem religiosa. No momento em que iniciava sua carreira, o ska dava lugar ao reggae com sua cadência favorável à ênfase nas letras, ao comentário social. Tanto o ska como o reggae faziam parte de um longo diálogo da música caribenha com os rhytm and blues dos negros americanos.

Bob Marley faria uma música negra nas suas raízes. E cantaria a libertação da diáspora negra, esmagada na babilônia branca, com seus pecados , seu materialismo e decadência.

Para quem tivesse vivido a década dos 60, isso não era absolutamente novo. A expressão Babilônia era comum entre os Black Panthers, revolucionários negros americanos que fizeram algumas escaramuças armadas e foram esmagados.

No diálogo com o embaixador americano, Burke Elbrick, em 1969, comentei a existência dos Black Panthers. O título do relato do sequestro de Elbrick, no livro Que é Isso Companheiro, é Babilonia, Babilônia.

Uma década depois, Bob Marley revestia a causa negra de um véu espiritual e uma disposição pacifista. Além disso, não falava a linguagem direta da política, comum aos Black Panthers mas a da música que iria percorrer com facilidade não só os guetos de Kingston mas as ruas de Salvador e São Luis, para mencionar apenas o impacto nacional .

Uma novidade que ele captou estava há muito tempo nas teses do controvertido profeta jamaicano Marcos Garvey. Ele andou pelo Estados Unidos, foi preso por lá e voltou à Jamaica para divulgar suas idéias. Segundo Garvey, não havia salvação para o povo negro, dentro dos portões da Babiliônia. Era preciso voltar à Africa, que seria o verdadeiro Sion e onde surgiria o verdadeiro Jeová, no corpo de um imperador negro.

Dizem que Garvey jamais mencionou Haile Selassie e a Etiópia diretamente. Mas quando o Ras Tafari assume o trono a Etiópia, o quadro se completou na cabeça de alguns seguidores, que se tornariam os rastafaris.

Os rastafaris talvez passem despercebidos como mais uma seita, ou mais uma leitura negra do cristianismo, se não tivesse uma relação especial com a maconha. Para eles, a ganja, como assim a chamavam, era uma erva sagrada, com grande poder espiritual e capacidade de ampliar as consciências.

No coração da Babilônia a maconha tinha sua história. Proibida nos Estados Unidos e na Europa era consumida assim mesmo. As grandes campanhas proibitivas tinham fracassado. Algumas eram francamente ridículas. Fuma maconha e voce será um assassino, um homosexual ou um comunista, dizia uma delas. Filmetes mostravam mulheres fumando, tirando a roupa e se jogando enloquecidas das janelas de arranha-céus.

Através de Bob Marley o incipiente movimento de legalização da maconha ganhava novo impulso. Ela aparecia associada à luta de libertação dos negros, ampliava a consciência e era envolvida na aura do sagrado.

Quando Bob Marley percorria a Europa durante o verão, no meio da década dos 70, a força de sua música era fortalecida por duas tendências: a busca de identidade dos jovens imigrantes negros e a aliança tática com os maconheiros, que viam na mensagem de luta e espiritualidade uma forma de legitimar a erva.

A volta à África, o foco no imperador Salassie, eram elementos secundários, que não comprometiam, pelo contrário, adicionavam um toque bizarro à sua trajetória.

Embora tenha visitado a Jamaica, onde foi recebido com grandes manifestações populares, Salassie não acreditava na lenda que os rastafaris criaram em torno dele. Chegou a dar algumas terras perto de Adis Abeba, para os quisessem voltar ao continente.

O Brasil também não tinha razão para acreditar na santidade de Salassie. Ele visitou o país e sua passagem é contada na biografia de Juscelino Kubistcheck. JK era o presidente orgulhoso de receber um imperador. Acontece que no meio de uma solenidade, um general se aproxima do imperador e comunica a dura notícia: havia um golpe de estado na Etiópia e Selassie perdera o trono.

Os momentos seguintes foram difíceis pois não havia comunicação fácil com a Etiópia. Selassie queria voltar e não tinha como. No bolso, apenas um cheque de US$ 60 mil. Mas quem iria descontar um cheque de um imperador caído. JK habilmente convenceu seu ministro das finanças, Horácio Lafer, a avalizar o cheque. Lafer relutou. As chances de transformar aquilo em dinheiro eram mínimas. JK argumentou que não era sempre que ela podia ajudar a um imperador. Lafer, a contagosto, aceitou. Selassie voltou e retomou o trono.

Quando Selassie visitou a Jamaica, Bob Marley estava nos Estados Unidos. Ao voltar a Kingston sentiu o impacto da passagem nos cabelos de Rita, sua mulher. Ela tinha se convertido diante do visão do imperador.

Os rafastaris que vivem hoje na Etiópia se deram mal. Concentram-se em Shashemene, uma cidade de 100 mil habitantes e são discriminados pelos africanos. Selassie foi varrido por uma revolução e as terras dadas por ele progressivamente tomadas dos rastas.

Apesar de um complexo roteiro de libertação do povo negro, foi o contato com a política jamaicana o que quase destruiu Bob Marley. Dizem que tinha uma leve simpatia pelo PNP (People’s National Party) dirigido por Michael Manley. Seu opositor era Ewduard Seaga do JLP (Jamaican Liberal Party). Em 1976, alguns membros do partido de Manley pediram a Marley que fizesse um concerto para baixar a tensão pré-eleitoral. O título do concerto era “Sorria Jamaica”.

Os boatos indicavam também que o CIA apoiava o partido de Seaga. A verdade é que Marley, Rita e seu empresário Don Taylor foram metralhados. Don recebeu cinco tiros, Rita foi alvejada na cabeça e Bob no peito.

Ele foi advertido para não fazer o show. Várias ameaças de morte em forma de boato chegaram a ele. Houve até um grupo de voluntários que fazia sua segurança. Mas no dia do atentado, não havia nenhuma segurança especial. Dois carros brancos estacionaram, alguns homens cercaram a casa e outros simplesmente metralharam os ocupantes que ensaiavam para o show “Sorria Jamaica”.

Talvez tenha sido seu grande impacto negativo no próprio pais. Sofrer um atentado na Jamaica onde era cada vez mais amado e já se tornava o grande nome do Terceiro Mundo.

Bob Marley deve ter percebido ali como era difícil fugir da violência. Na verdade a baixaria tomou conta da própria industria musical jamaicana. O grupo de Marley chegou a espancar um empresário por causa de contas que não fechavam. Peter Tosh foi vítima de atentado, apanhou da polícia, era uma atmosfera de horror.

Embora seu grande sucesso mundial tenha sido No Woman no cry, Bob Marley, de uma certa forma, deu continuidade a uma tendência patriacal no movimento negro. As mulheres sofriam com os Black Panthers. Rita Marley sofreu, silenciosamente, ao lado do marido. Às vezes, ele se encontrava com outra no mesmo hotel em que estavam hospedados. Para se ter uma uma idéia em números de sua performance: dos 11 filhos que fez, apenas quatro são de Rita.

Nunca ficou claro como um homem que sentia-se com uma grande missão e tinha um grande apetite sexual, possa ter descuidado da saúde. Os de Bob começaram com um ferimento no pé, quando jogava futebol. Era preciso cuidado e até mesmo a amputação de um dedo.

No seu livro de memórias, Rita acha que ele se descuidou não por uma razão religiosa, pois os rastas não aceitam amputação. Ela afirma que ele tinha medo de aparecer manco nos palcos, de enfraquecer sua presença como artista.

Em 1980, quando corria no Central Park, Bob Marley teve um desmaio. Consultou um médico e descobriu que tinha câncer no cérebro. Dois dias depois estava cantando em Pittsburgh mas já sabendo que a morte o rondava. Durou oito meses, cantando e resistindo.

Depois dele, além das brigas de bastidores pela sua herança, o reggae tornou-se mais ameno. Perdeu seu conteúdo de crítica social. No entanto, Bob Marley vive. Talvez porque ainda existam milhões de jovens negros em busca de identidade, milhões de fumantes de maconha pedindo liberação. O mais provável no entanto é que ele viva principalmente pela forca da sua obra, que independente das mensagens do momento, é a continuidade da negra, do rithm and blues, do jazz, do samba e agora dos rappers que, como ele, vivem no meio do caos urbano e cantam a própria experiência. Há uma complexa constelação no céu onde até hoje brilha a estrela de Marley.