15.1.06

Que rei Lula é?

Sebastião Nery

RIO - Teferi Makonnen Hailé Selassié, negro, de barba e bigodão, coroado "negus" (imperador) da Abissínia-Etiópia em 1930, "Leão conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus, Rei dos Reis", já com quase 70 anos, veio ao Brasil de 13 a 16 de dezembro de 1960, com enorme comitiva.

Estava jantando com o presidente Kubitschek no Palácio da Alvorada, aproxima-se um assessor e lhe diz qualquer coisa no ouvido. Selassié parou um instante, pensou, voltou a jantar tranquilamente. Juscelino percebeu:

-Alguma coisa, imperador?"

-Presidente, acabo de ser deposto por meu filho, na Abissínia (hoje novamente Etiópia). Mas eu sei que rei sou eu. Não vamos alterar o programa. Quero apenas, quando sairmos daqui, um audiência reservada com o senhor.

Juscelino

Depois do jantar, foram para o gabinete, Selassié pediu a Juscelino que convocasse o gerente do Citibank. Queria sacar US$ 100 mil para alugar um avião e mandar de volta os cem generais que tinham vindo com ele.

Juscelino chamou, veio o gerente, não podia ser.O dinheiro, depositado em nome do País, já tinha sido bloqueado por ordem do novo governo de Adis-Abeba. Só havia uma possibilidade: se o Brasil avalizasse o cheque.

JK mandou chamar o secretário-geral do Itamaraty, Edmundo Barbosa da Silva, que estava respondendo pelo ministério do Exterior, porque o ministro Horácio Lafer estava viajando.

Na hora de assinar o cheque, avalizando-o, o embaixador tremeu tanto que a assinatura não saía. Juscelino tomou-lhe a caneta:

-Ora, Edmundo, me dá isso que eu assino.

Salassié da Etiópia

Juscelino assinou, avalizou o cheque, Selassié alugou um avião da Panair, embarcou na frente de seus cem generais, cumpriu fielmente todo o programa no Brasil e voltou para Adis-Abeba. Os três chefes do golpe o "ras" Imru, primeiro-ministro, o general Girmamé Neway, governador de província, e seu irmão Mengistu, comandante da guarda imperial, mataram um grupo de nobres que tinham tomado como reféns, e "suicidaram-se" depois.

Selassié deu uma surra de chicote, no meio da praça central, no filho e príncipe herdeiro, Merede Azimach-Asfa Wessen Hailé Selassié, mandou-o para Londres como embaixador. E continuou imperador até setembro de 74, quando afinal foi deposto e preso por um golpe militar, aos 82 anos.

Que rei sou eu

Em 74, quando Selassié foi derrubado, perguntei a Juscelino:

-Presidente, e se o Leão de Judá não conseguisse reassumir?

-O prejuízo seria de US$ 100 mil. Muito mais barato do que deixar e sustentar no Copacabana Palace, e toda noite no Sacha's, cem crioulos, generais abusados, mal-acostumados com o poder total.

E deu uma de suas gargalhadas de janela abertas e olhos fechados. Parou um pouco, pensou, falou mais para ele do que para mim:

-Tanto faz ser imperador na Etiópia, presidente no Brasil ou prefeito em Diamantina. Chega uma hora de decidir. E quem tem que decidir é você, eleito pelo povo ou herdeiro de uma ditadura africana. Ouve, discute, analisa, mas não pode transferir a decisão. Se transferir, não dá certo. Na hora ou lá na frente, vai ficar pior. No Governo você tem sempre que saber que rei você é.

Lula não decide

O problema mais dramático que o País enfrenta hoje não é o modelo econômico inviável, a economia trôpega, quase paralítica, o desemprego galopando, a questão social explodindo, a sangria salarial gritando nas ruas, o Banco Central cada dia mais um transgênico sindicatão de banqueiros.

Tudo isso podia ser enfrentado por um governo de verdade. Mas governo de verdade é governo que decide. E o País de repente passou a perceber que esta é nossa maior tragédia: Lula é um Presidente que não preside, um governante que não governa, um mandatário que não decide.

E não é má vontade ou má fé. É inapetência, preguiça. Ele é assim mesmo. Sempre foi. Faz parte da natureza dele. E acha que sempre deu certo.

Presidente prefalante

No primeiro ano, o País foi embalado pela palavra fácil, pela lábia solta de Lula, que encantava uma metade e engabelava a outra. Mas chegou uma hora em que é preciso mostrar alguma coisa, transformar palavras em fatos.

Etodo mundo de repente começou a se dar conta de que este é o nó da questão: falta um presidente. O País elegeu um presidente e Lula é um prefalante. Votamos em Lula para governar e ele não gosta de governar.

Vejam a Imprensa. Só se fala nisso. Numa só página da "Folha", três artigos dizem que "o Governo Lula não sabe administrar" (Vinícius Freire), "o presidente não sabe bem o que fazer para governar" (Heitor Cony), "a maior carência do Brasil hoje é a falta de governo" (José Serra). Cadê meu voto?

Um comentário:

Mário de Méroe disse...

Prezado Jorge Matheus,
Apreciei muito, em seu blog, o artigo "Que rei Lula é", em especial, pelas referências ao Im perador Selassié, da Etiópia. Estou preparando um trabalho sobre a dinastia etíope e achei interessantes os dados mencionados. Necessito de dados sobre os atuais descendentes do imperador, por essa razão,caso os possua, peço a gentileza de entrar em contato. Meu e-mail: msmeroe@netpredial.net.
Grato
Mário de Méroe