14.1.06

Um messias em Brasília


Demóstenes Torres


Caso o presidente Lula fosse habituado à leitura, daria por certo que decidiu buscar o refúgio dos seus últimos dias em “O Imperador”, do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski.

Centrada em depoimentos, a obra é uma reportagem, com muito sabor de literatura, sobre a Etiópia nos tempos do “rei dos reis”, Hailé Selassié I. Ao contrário do falador presidente do Brasil, o monarca africano conservou um mandonismo de 44 anos com “retraimento, discrição e silêncio”. Mas há muito da Era Lula nas práticas nefastas que mantiveram Selassié I como fonte originária do poder absoluto, “o escolhido de Deus”, descendente direto do Rei Salomão.


O imperador etíope ascendeu ao trono em 1930. Como o presidente Lula, amava o fausto dos Palácios e tratou, logo nos primeiros tempos do império, de comprar a própria aeronave. Outro ponto em comum: o adorável apreço pelas missões no estrangeiro e o recebimento de honorárias delegações internacionais. Assim como o primeiro-funcionário se sente, o ex-monarca era um reformador. Em 1950 aboliu definitivamente a escravidão. Em outro decreto instituiu a profissão de carrasco. O Ministério da Pena era a Abin de Selassié I.


Por intermédio de uma bem articulada rede de delação e espionagem, mantinha equilíbrio sustentável do poder. Abaixo do monarca havia rígida hierarquia estabelecida pelos estamentos sociais mais elevados, mas o imperador tecia seu próprio sistema de influência, sempre com o apelo à pessoalidade. Nem aristocrata nem burocrata, o professor Delúbio Soares seria uma “pessoa especial” na corte de Selassié I. A se considerar o que fez por devoção a Lula, a ele seria destinada função de maior confiança e de igual escárnio.


Os tempos do imperador da Etiópia e do reinado do PT guardam afinidade simpática. Na corte de Selassié I, “para galgar os diversos degraus do palácio era preciso, em primeiro lugar, ter conhecimento do que era negativo, do que não era permitido”. Tinham a proteção extra os ineptos e os de pouca sabedoria, pois eram entendidos como elementos estabilizadores do império. Conta o jornalista polonês que ao imperador era agradável multiplicar os bens e engordar as contas bancárias dos cortesãos . “Corrompam-se à vontade, desde que permaneçam leais a mim!”, eis o lema de Selassié I. Uma espécie de “não sabia de nada” do presidente Lula.


No livro há uma passagem interessante que tem paralelo com os parlamentares expulsos do PT, quando já grassava o mensalão e o caixa 2. Por intermédio de um depoimento, Kapuscinski narra que talentoso governador de uma pobre província decidiu desviar dinheiro de corrupção para investir na construção de escolas. Foi rebaixado na “Hora das Nomeações” e caiu em desgraça.

O movimento Ras Tafari acredita que virá o Novo Reino e com ele a redenção da humanidade. O pai da nova ordem é Haile Selassié I. Não é preciso esperar o messias. Reggae na caixa pessoal, ele mora em Brasília.

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