17.1.06

Bob Marley - 60 anos

Fonte: http://www.encontromusical.com.br/cultura/bob_marley/bob_marley.htm

Se vivo estivesse, Robert Nesta Marley completaria 60 anos em 2005. Um câncer generalizado – surgido de uma mal curada ferida no pé, causada por um pisão de um jornalista francês durante uma pelada de futebol na Europa – não deixou que o rei do reggae prosseguisse em sua carreira de um dos músicos mais influentes da segunda metade do século 20, e Marley viria a morrer em 11 de maio de 1981, num hospital em Miami, após tentativa frustrada de cura na Alemanha com o médico Jossef Issels.

Nascido a 6 de fevereiro de 1945 na vila de Nile Miles, na paróquia de St. Ann (norte da Jamaica), filho da nativa Cedella Malcolm Booker e do oficial britânico Norval Sinclair Marley, esse aquariano deixou um legado musical inestimável. Foi criado pelos avós e aos seis anos de idade "recebeu" o dom da clarividência: por alguns trocados, lia mãos nas feiras da vizinhança. Nessa época ele aprendeu sua primeira canção, um lamento de feirantes para as mulheres que enrolavam muito na hora de comprar frutas e legumes que iriam levar para casa.

Ainda adolescente, mudou-se para Trenchtown, favela de lata nos arredores de Kingston. Ali, entre guitarras imaginárias e com um pé na bandidagem, montou os Wailing Wailers (depois apenas Wailers). Eram Bob, seu meio-irmão Bunny Livingstone, Beverly Kelso, Junior Braithwaite e Peter Tosh. Os Wailers tiveram a mesma trajetória de vários outros grupos vocais da época: gravaram singles com Leslie Kong, passaram um tempo sob as bênçãos de Coxsone Dodd no Studio One (nessa fase lançaram uma versão magistral de "And I Love Her", dos Beatles), sem obter o devido reconhecimento.

Bob Marley foi, então, morar com a mãe nos EUA (em Wilmington, Delaware), onde trabalhou como operário. Antes de embarcar, porém, casou-se com Rita Anderson, vocalista dos Soulettes. O exílio americano durou sete meses.

De volta à Jamaica, Bob encontrou os amigos enfronhados na filosofia RASTAFARI, que pregava a volta dos negros para a África e ensinava que o imperador etíope Hailé Selassié era a encarnação de Jesus Cristo. Os Wailers também tinham outra proposta sonora. Ao trabalhar com o produtor Lee Perry, descobriram o poder hipnótico do baixo e da bateria na figura dos irmãos Aston "Family Man" e Carlton Barret, De trio vocal que fazia ska e rock steady, os Wailers viraram um autêntico grupo de reggae. A formação da época era: Bob Marley (guitarra, vocais), Peter Tosh (guitarra e vocais) e Bunny Wailer (percussão e vocais). O grupo então surrupiou a seção rítmica de Perry, e acrescido do tecladista Earl "Wire" Lindo, foi fazer história.

Assinou contrato com o selo Island, de Chris Blackwell, e lançou Catch A Fire, marco na história da música jamaicana. O ano de 1973 men tinha acabado quando essa turma mandou Burnin' para as lojas. À essa altura, o grupo havia sido rebatizado de BOB MARLEY & THE WAILERS. Ao ouvir Burnin', Eric Clapton se encantou com "I Shot The Sheriff" e decidiu regravar a canção. A música foi direto para o primeiro lugar na parada americana. Peter Tosh e Bunny Wailer saíram antes das gravações de Natty Dread (1974). Marley então reformou a banda com as I-Threes, os guitarristas Earl "Chinna" Smith e Al Anderson, o percussionista Alvin "Seeco" Patterson e o tecladista Bernard "Touter" Harvey. Essa formação invadiu e conquistou o Rainbow Theatre, em Londres. O resultado repousou belo e lampeiro no álbum Live !, gravado no Lyceum Theatre.

Bob Marley passou a ser o primeiro (e até hoje único) superstar originário do Terceiro Mundo. Ganhou uma mansão na zona nobre de Kingston e capas das principais revistas do planeta. Em 1976, porém, sofreu um atentado em sua própria casa: pistoleiros de aluguel atingiram o cantor, o empresário Don Taylor e Rita Marley. Bob se mandou para a Inglaterra a tempo de abençoar o então nascente movimento punk. Lá, homenageou bandas como Sex Pistols e The Clash na canção "Punk Reggae Party". A banda que o acompanhava neste single, aliás, era composta por alguns dos seus alunos mais aplicados: Stephen "Cat" Coore (guitarrista, do Third World), Michael "Ibo" Cooper (tecladista, também do Third World) e Drummie Zeb (bateria, do Asward). Foi nesssa época que o guitarrista Junior Marvin entrou para os Wailers. Marvin tinha participado de alguns discos de Stevie Winwood pela Island e encheu os olhos de Chris Blackwell. Hoje é o guitarrista quem está à frente dos Wailers tocando o projeto de Marley. Também amealhou uma fortuna que não pára de crescer – levantamentos periódicos da revista norte-americana Forbes o apontam como uma das dez celebridades mortas que mais ganham dinheiro anualmente.

Mas Bob Marley não foi um superstar típico. Adepto do rastafarianismo – doutrina surgida na Jamaica de cunho fortemente anarquista que, em linhas gerais, propõe a queda do sistema capitalista, a adoção de uma vida sem produtos industrializados e o retorno dos afro-descendentes para a África –, jamais se curvou às imposições do star system em seus tempos de glória (os anos 1970). Compôs hinos revolucionários como Zimbabwe, entoado pelos guerrilheiros na luta pela independência da Rodésia. Também cantou odes à maconha, a erva sagrada dos rastas (Kaya é a mais famosa), e pregou a aceitação do então imperador etíope, Hailê Selassiê, como legítimo messias do povo negro (a emocionada Jah live foi composta em 1976, logo após a morte de Selassiê , cujo nome de batismo era Ras Tafari Makonem).

A ligação de Marley com a África chegou ao ponto de levá-lo a se filiar à Igreja Ortodoxa da Etiópia, de confissão copta, após se desvincular da fraternidade rasta jamaicana Doze Tribos de Israel. O corpo de Marley foi sepultado numa colina em sua Nine Miles em 21 de maio de 1981, após receber homenagens de chefe de Estado na capital jamaicana, Kingston. Com ele, sua guitarra Gibson Les Paul vermelha (a preferida), sua Bíblia, um pote de maconha e o anel de Salomão, dado a ele por Asfa Wossen, filho do imperador etíope, que reivindicava para si a descendência da histórica rainha de Sabá.

A tão sonhada volta para a África se relizou em 1978, Bob tocou na festa de independência do Zimbábue, que havia recém se libertado do jugo inglês. Um episódio da época da a exata dimensão dos valores do cantor. O príncipe Charles representou a realeza britânica na cerimônica. Ao saber que Bob estava num avião ao lado do seu, mandou um representante para conversar com o rei do reggae. "O príncipe da Inglaterra faz muita questão de conhece-lo pessoalmente e pede para que o senhor vá até o avião dele." A resposta veio de bate-pronto. "Eu sou Bob Marley. Se quiser me conhecer, Ele que venha até o meu avião". A África que Bob viu não o satisfez plenamente. Foi nessa época que ele se conscientizou de que Hailé Selassié era um ditador e que as nações africanas ainda sofriam com milenares guerras tribais.

Dessa experiência nasceu Survival (1979), o álbum mais político do rei. Bob pede a união de todos os africanos ("Africa Unite"), reclama dos problemas do mundo ("So Much Trouble In The World"), homenageia o Zimbábue ("Zimbabwe") e apela para a mobilização do homem africano ("Wake Up And Live"). O atentado sofrido em 1976 - e que era um tabu na vida do cantor - é exorcizado em "Ambush".

Uprising (1980) foi gravado muito às pressas porque Bob não tinha muito tempo. Nele está um dos grandes clássicos do rei do reggae: a lindíssima, arrepiante "Redemption Song". "Bad Card" é um recado malcriado ao ex-empresário Don Taylor e "Could You Be Loved" é considerada por muitos como uma precursora do dancehall.

Foi no Velho Mundo que ele sofreu o controverso acidente que lhe custou a vida. Acredite, se quiser: Bob feriu o dedão do pé enquanto jogava futebol (o que mais gostava de fazer depois da música). O machucado infeccionou e o médico sugeriu que o cantor amputasse o dedo - proposta recusada com base nas crenças rasta. A infecção jamais sarou e, segundo alguns médicos, acabou gerando um tumor que depois originaria câncer cerebral, descoberto três anos depois. Marley ainda tentou se curar através quimioterapia, mas não obteve sucesso.

Um mês antes de sua morte, Bob foi condecorado com a Ordem do Mérito da Jamaica, a terceira mais elevada comenda da nação, em reconhecimento pela sua extraordinária contribuição à cultura do país, depois de ter espalhado pelo planeta inteiro a música jamaicana, o orgulho negro e os valores humanitários de sua poesia.

Na quinta-feira, 21 de maio de 1981, o Honorável Robert Nesta Marley O.M. teve um funeral oficial do povo da Jamaica. Em seguida ao funeral - que contou com a presença tanto do Primeiro Ministro quanto do lider da oposição - o corpo de Bob foi levado para seu lugar de nascimento, onde hoje repousa em um mausoléu. Bob Marley tinha 36 anos.

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